2006/08/05

TIMOR-LESTE / O GOLPE DO PETRÓLEO

NEGOCIAÇÕES PARA A FORMAÇÃO DE NOVO GOVERNO

O primeiro-ministro de Timor-Leste, Mari Alkatiri, renunciou ao cargo, no passado dia 26 de Junho, num processo controverso que na sua execução indicia um golpe para afastar a Fretilin do poder.
A demarcação da fronteira marítima entre a Austrália e Timor-Leste, no mar de Timor, e a consequente partilha dos recursos petrolíferos estão na origem deste golpe do petróleo.
Embora sem o figurino e consequências da invasão de Timor-Leste pelas tropas da Indonésia, em 1975, o conflito desencadeado a partir do início do ano ocorre sobre o mesmo pano de fundo. Um diferendo que se mantém em aberto há cerca de 40 anos. O perigo comunista foi evocado em 1975 para que a invasão da Indonésia fosse avalizada pelo presidente norte-americano, Gerald Ford, e por Henry Kissinger.
Mas o que estava em causa era a resolução do acordo firmado em 1972, que apenas obrigava a Austrália e a Indonésia. O governo colonial português auto-excluiu-se do processo de delimitação das fronteiras permanentes marítimas, deixando em aberto o Timor Gap.
A Indonésia negociou com a Austrália em 1972 os limites marítimos de Timor ocidental, mas restava a parte leste da ilha, então sob o domínio colonial português.
A Austrália não só foi conivente com a invasão de Timor-Leste em 1975, como reconheceu a soberania indonésia sobre o território em 1979.
Em 2006, a contestação de rua interpela a conduta de Mari Alkatiri, enquanto primeiro-ministro designado pelo partido vencedor das eleições legislativas em Timor-Leste. Começou em Fevereiro de 2006, ganhou novo fôlego em Abril com a sedição das forças armadas e culminou em Junho com novas acusações a Alkatiri.
O Presidente da República de Timor-Leste, Xanana Gusmão, é parte em todo este processo, quer directa quer indirectamente. Em Maio passado, a australiana Kirsty Sword, mulher do presidente timorense, foi prolixa em declarações à comunicação social, exprimindo críticas ao governo e sugerindo a necessidade da sua substituição.
A alegada falta de controlo da situação por parte do governo, justifica a decisão de Xanana Gusmão de assumir o controlo da segurança interna e a coordenação com as forças armadas da Austrália em Timor-Leste. John Howard, o primeiro-ministro australiano, declarou no final de Maio que «o país não tem sido bem governado» e que esperava que os dirigentes em cargos eleitos adoptassem «o comportamento apropriado no país».
Simultaneamente, os partidos da oposição timorense organizam manifestações sucessivas em Dili, exigindo a demissão Mari Alkatiri. Xanana secunda essa exigência, declarando que se demitia caso o primeiro-ministro não abandonasse o governo.
Em todo o processo de desestabilização política, é a Fretilin que mantém a posição mais apaziguadora. Abre caminho à substituição de Alkatiri, mas reitera a sua legitimidade em formar nova governo, enquanto partido maioritário no parlamento timorense. No final do mês passado, milhares de manifestantes da Fretilin entregaram uma carta a Xanana Gusmão, em apoio à posição do partido. Esta posição de abertura ao diálogo institucional terá feito gorar o golpe de estado palaciano para afastar a Fretilin. Xanana Gusmão declarou-se aberto à negociação para a formação de novo governo e ambas as partes parecem aceitar o ministro em exercício José Ramos Horta.
Alkatiri pediu-lhe para assumir a coordenação do governo demissionário e o próprio Ramos Horta — político que foi desde sempre próximo de Xanana Gusmão e da administração norte-americana — mostra-se disponível para aceitar a chefia do governo se isso for consensual para a Fretilin.
O pronunciamento de 2006, embora tenha como causa comum a disputa do petróleo, assumiu uma outra natureza. Além dos seus interesses próprios, a Austrália intervém como procuradora da administração e das companhias petrolíferas norte-americanas.
O TIMOR GAP

O Timor Gap, entendido como intervalo, interrupção ou buraco, refere-se ao vazio criado pela ausência de acordo com Portugal, em 1972.
A Austrália, que usou o argumento da plataforma continental, conseguiu estabelecer uma fronteira do leito marítimo, que lhe era substancialmente favorável. Estabeleceu uma linha divisória do mar de Timor, que lhe garantiu 85 por cento da área que separa a Austrália da ilha de Timor. Todavia, ficou em aberto o intervalo referente a Timor-Leste.
Portugal recusou o acordo e reclamou uma linha mediana entre as costas da Austrália e de Timor Leste.
Quando Timor-Leste foi invadido pela Indonésia, a Austrália viu a possibilidade de fechar o gap na fronteira marítima em troca do reconhecimento da soberania sobre o território. Todavia, a Indonésia protelou a questão e os dois países chegaram a um acordo temporário em 1989. O Tratado do Timor Gap previa três áreas de partilha.
Na área A, as receitas petrolíferas seriam partilhadas em igual valor pelos dois países, na área B, a Austrália encaixava 90 por cento das receitas e, na área C, era a Indonésia que arrecadava 90 por cento. Com o processo de independência e a administração transitória das Nações Unidas em Timor-Leste, em 2000, o Tratado do Timor Gap foi declarado ilegal.
A reclamação da linha mediana pressupunha que toda a área A (na qual se localizam plataformas petrolíferas em exploração, como o Greater Sunrise) e áreas adjacentes seriam integradas no território de Timor-Leste. A Austrália procurou antecipar-se e garantir o seu controlo sobre a zona, contactando Xanana Gusmão quando ele ainda estava preso em Jacarta. Mas o Conselho Nacional da Resistência Timorense opôs-se.
Após a restauração da independência e a vitória da Fretilin nas legislativas de 2002, foi assinado entre a Austrália e Timor-Leste o Tratado do Mar de Timor, que confere a este último país 90 por cento das receitas da área A. Mas não está resolvida a questão de fundo. A Austrália não aceita discutir as fronteiras marítimas, o que lhe permite encaixar dez por cento das receitas da área A, além do montante proveniente de toda a refinação do petróleo e gás.
O governo chefiado por Mari Alkatari revelou-se um empecilho para as pretensões australianas e para as petrolíferas que operam na zona, entre elas, a norte-americana ConocoPhillips. O governo de Timor-Leste mantinha em agenda, como «prioridade urgente», a definição das fronteiras marítimas, o que permitiria aumentar as receitas do país e dar um contributo decisivo ao seu desenvolvimento.
ALEXANDRE VALE