2006/06/30

AS CONTAS DO GOVERNADOR
O Governador do Banco Central Europeu (BCE), o Sr. Jean-Claude Trichet, veio esta semana afirmar perante quatro jornais europeus – onde se inclui o Diário de Notícias – que «está na altura de reduzir os custos do trabalho».
Ao que parece, o Sr. Governador encomendou estudos, efectuou os cálculos, apresentou as contas e com o rigor que o título de «Governador» recomenda, disse – tenham juízo, isto não pode continuar assim, com o povo a viver à grande, portem-se bem e cortem nos salários.
ão bastava Victor Constâncio – governador do Banco de Portugal – destilar diariamente a cartilha da necessidade de mais «sacrifícios», para termos agora de aturar ainda mais esta criatura dizer ao povo português que é um luxo terem um salário mínimo nacional de 385€.
Isto quase que parece uma mania de governadores, mas infelizmente não é. Existe uma total sintonia e convergência não apenas no discurso como nas mordomias que cada um destes senhores tem. Ambos são responsáveis por bancos centrais, ambos promovem junto da opinião pública a tese de que, perante as dificuldades, preparem-se para mais dificuldades ainda e ambos têm rendimentos absolutamente insultuosos para quem vive do seu salário. Isto é, Victor Constâncio ganha por ano 273.000€ (qualquer coisa como quatro mil contos vezes 14 meses) e Jean-Claude Trichet 400.000€ (quase seis mil contos por mês).
Fazendo algumas contas, chegamos à conclusão que uma operária têxtil em Portugal precisa de trabalhar 85 anos para receber aquilo que o Sr. Jean Claude leva para casa ao fim de um ano.
É óbvio que os salários destes dois indivíduos são trocos perante os fabulosos lucros que o grande capital nacional e europeu acumulam à custa da exploração de milhões de trabalhadores. No entanto, importa sublinhar o grau de cinismo com que estas afirmações – a coberto de um qualquer estatuto de independência que a comunicação social dominante lhes atribui – são proferidas do alto das centenas de milhar de euros que lhes entram nos bolsos.
Quando se fala de «custos do trabalho», quer-se dizer a parte da riqueza produzida que fica nas mãos dos trabalhadores, melhor, nas mãos de quem produz a riqueza. A sua redução, significa o aumento das injustiças, das desigualdades, da exploração. A perspectiva apontada de redução dos salários conduz ao empobrecimento e miséria das classes trabalhadoras, ao retrocesso social e civilizacional, como aliás tem acontecido no nosso país. Os trabalhadores têm aguentado muito, mas estamos certos de que não aguentam sempre.
VascoCardoso

2006/06/29

Bush e Blair admitem erros

Infelizmente no Mundo existe quem acredite em tudo menos na verdade, pois ainda acreditam que existe "boas vontades" por detrás dos movimentos militares, como acreditam que todos os que estão contra estas atitudes, são estupidos, ignorantes, etc...

Espero que agora estas mesmas pessoas, que deveriam sentir-se enganadas, exigam o julgamento de quem proporcionou milhares de mortes, com uma justificação de mentira. Pois os interesses instalaram-se de qualquer forma, será que vão pedir justiça, ou a justiça destina-se somente para quem os EUA decidem

Que George Bush e Tony Blair fizeram um tamanho erro, não hajam quaisquer dúvidas. O lamentável é que havia aqueles que diziam-lhes seis meses antes deles prosseguirem cegamente, quebrando todas as leis e normas no livro de direito internacional, clamando que sabiam que o Iraque era uma ameaça imediata, afirmando que sabiam onde estavam as armas de destruição massiva e depois explicando que mesmo sem essas armas, o mundo era um sítio melhor sem Saddam Hussein.

Mas se Saddam Hussein não atacou qualquer dos seus vizinhos desde a primeira Guerra do Golfo, se o Iraque nem tinha capacidade de constituir uma ameaça eventual, quanto menos imediata, poder-se-ia dizer que então o mundo seria um sítio melhor sem Bush e Blair.
Esses dois líderes afirmam agora que fizeram erros, que a situação se tornou mais complexo do que eles tinham imaginado e o Presidente dos EUA admitiu que seu país tinha estado a sofrer durante muito tempo por causa das práticas de tortura em Abu Ghraib.
Dado que esses dois líderes querem admitir os erros e seguir em frente, e dado que ninguém com bom senso apoia os insurgentes no Iraque, que causam mais miséria ainda para o povo, a única política que faz sentido agora é encarar a verdade, dizer toda a verdade acerca do Iraque e depois enfrentar o futuro com uma comunidade internacional unida a volta do novo governo do Iraque, que seria nos melhores interesses do seu povo.

Bush e Blair fazem confissões
O quê é que o Presidente Bush e o Primeiro Ministro Blair disseram e qual será a verdade atrás desse acto de guerra ilegal e tão sórdido? George Bush usou a palavra “problemas” para descrever o estado de caos em que o Iraque se deslizou, enquanto Tony Blair optou pelo mais colorido “desafio enorme” que é “inspirador” e para o qual “teremos de estar preparados”.
Em palavras claras, ambos admitem que a campanha foi um grande erro, uma falta total de juízo que resultou em práticas de negligência criminosa que levou a um acto de assassínio em grande escala, terrorismo do estado e a propositada destruição das infra-estruturas civis de um país usando equipamento militar? Não…falam de “problemas” e “desafios”.
No caso de Tony Blair, é difícil acreditar que ele enviou intencionalmente um quarto das suas forças armadas ao Iraque num acto de capricho, sabendo que o Iraque não possuía ADM ou que sabia que o que fazia não estava certo na altura. É mais fácil acreditar que ele tudo faria para evitar a criação de uma cunha entre Europa e os EUA, entendendo que o Reino Unido jaz algures no meio dos dois continentes e tendo estipulado o princípio político ao assumir a liderança do seu país que a política externa do Reino Unido é ligado a boas práticas éticas e ao respeito pelo direito a democracia nos países onde o Reino Unido faz os seus negócios.

No caso de George Bush, ou pelo menos no do seu regime, é extremamente difícil não acreditar que sabiam precisamente o que faziam, que de facto tinham evidência que o Iraque não tinha ADM mas de qualquer modo, tinha sido decidido alterar o regime em Bagdade porque Bush tinha uma vendetta pessoal contra Saddam Hussein e o Vice-Presidente Cheney queria os contratos de reconstrução, que foram passados aos seus amigos e aliados sem concurso – acto que ainda ninguém até hoje foi capaz de defender.

Em qualquer dos casos, o que é feito, é feito. Foram avisados – foram avisados nesta coluna seis meses antes da invasão que remover o Estado no Iraque iria enviar o país para trás cinquenta anos (no caso, o Iraque foi enviado cem anos para trás) e foram avisados em outras colunas por escritores muito mais notáveis e credenciados que eu.
Enquanto ambos os líderes tiveram o cuidado de não deixar provas de uma data clara para a retirada, Nuri al-Maliki, o novo Primeiro-Ministro do Iraque, disse ainda esta semana que os serviços de segurança do Iraque deveriam estar prontos para assumir o controlo total até finais de 2007, quase cinco anos depois da invasão, que era suposta ser recebida com braços abertos e flores à mistura.
A que custo? Para começar, a um custo de 800 biliões de USD para o contribuinte norte-americano ao longo dos próximos anos e ao custo da perda de vida humana que afecta inúmeras famílias em tantos países. Contudo, quanto mais tempo a comunidade internacional permanecer dividida sobre o acontecido, por lamentável que tenha sido, e quanto mais tempo não se unir com boa vontade para ajudar o povo iraquiano a sair do caos em que o país desceu, mais tempo vão sofrer.
São horas das crianças do Iraque brincarem nas ruas sem terem medo de balas ou explosões, são horas para os jovens do Iraque alistarem se quiserem na polícia, ou no exército, como seu direito sem terem medo de represálias, são horas para as mulheres do Iraque saírem sem o véu sem medo de serem atacadas, violadas ou decapitadas.
Com certeza é possível, porque o povo iraquiano provou o tamanho do seu coração e que a sua resiliência é heróica. Mais uma vez, a etnicidade e religião podem tornar-se numa questão de orgulho e escolha privada em vez de qualquer tipo de crachá para exibir em público como provocação ou afirmação de superioridade, mas só se todos os membros da comunidade internacional se juntarem.
Em último lugar. Agora que os EUA e Reino Unido admitem os seus erros, seria correcto se as forças armadas destes países fossem substituídas tão breve quanto possível por uma força de manutenção de paz da ONU e seria correcto estes dois países perderem qualquer direito que tenham assumido por causa da guerra, com o anulamento de todos os contratos actuais e o lançamento de novos concursos pelo novo Conselho de Ministros do Iraque, sob a supervisão da ONU, na condição prévia que as firmas da liga de nações que atacou o Iraque ilegalmente sejam excluídas dos mesmos concursos.
Só então é que podemos prosseguir, só então é que os britânicos e norte-americanos podem andar de cabeça erguida outra vez e só então poderemos todos juntar-nos num abraço colectivo como uma comunidade de irmãos.
Timothy BANCROFT-HINCHEY
PRAVDA.Ru

2006/06/27

AUSTRÁLIA APAGA TIMOR DO MAPA
Mari Alkatiri não resistiu ao golpe de Estado presidencial, patrocinado por Xanana Gusmão sob as ordens mais próximas da Austrália e mais distantes de George W. Bush. Começa agora a fase, petroliferamente incendiária, da tornar a FRETILIN num partido domesticado (Ramos Horta quer regressar para isso), residual ou, quem sabe, ilegal. Ou seja, lá se vai mais um país lusófono.
Por Orlando Castro

Ramos Horta teve já hoje o desplante de indicar três nomes como sucessores de Alkatiri. Não está mal. Não sei em que articulado da Constituição do país se baseou, mas certamente que os australianos lhe devem ter dido onde é que isso constava.
Com a saída de Alkatiri e a mais do que provável domesticação da FRETILIN, Timor-Leste vai passar definitivamente para a esfera política, económica, militar e social dos australianos. Assim o quis Xanana Gusmão, assim o permitiu (que remédio) Portugal e a própria CPLP – Comunidade de Países de Língua Portuguesa.
Xanana Gusmão nem sequer escondeu que apostava tudo na tomada do poder, tal como não ocultou que recebera ordens para decapitar a FRETILIN e Alkatiri que, reconheça-se, eram o único obstáculo a que o petróleo e gás natural de Timor passassem a ter a designação “made in Austrália”.
Xanana Gusmão, obviamente protegido por soldados australianos, agradeceu aos timorenses que se juntaram em Díli o contributo para vencerem a “guerra”. Guerra? Sim, talvez ela regresse.
Aliás, se calhar era isso mesmo que os australianos queriam mas, mais uma vez, Alkatiri não lhes deu esse prazer. Não deu a Camberra como não deu às figuras de terceiro plano que sairam às ruas para gritar vitória. Quais figuras? Fernando de Araújo, Leandro Isaac, Manuel Tilman, Mário Carrascalão, Ângela Carrascalão, Lúcia Lobato, Joe Gonçalves, por exemplo.
Creio que Alkatiri vai ser o último a rir. Pena é que sejam os timorenses, mais uma vez, a pagar a crise.

TIMOR, QUAL A VERDADE
Quem segue a situação de Timor através dos meios de comunicação "alinhados" fica com a ideia de que os Australianos são uns queridos, têm muito boa vontade, resumindo e concluindo, são uns amores.
Militares rebeldes vão entregar as armasOs militares rebeldes timorenses vão entregar as armas. A garantia é dada pelo Comandante da força australiana em Timor-Leste. Segundo o brigadeiro Mick Slater, a recolha das armas pode começar esta quinta-feira.Um dos homens que deverá acatar essa decisão é o Major Alfredo Reinado. O Comandante da polícia militar, que abandonou o posto em Díli em protesto contra o primeiro-ministro Alkatiri, voltou a encontrar-se com Xanana Gusmão. O encontro teve como finalidade criar um clima de confiança, mas resta saber se Reinado vai entregar as armas, uma questão para ele intocável, até à data. O Major rebelde justifica continuar armado, bem como os seus homens, para defender a população. Origem TVI
Mas quem está mais atento, sabe que não é isso que se passa, senão vejamos as intenções da Australia.
Tradução:Timor-Leste: Uma Nova Guerra Friapor: Maryann Keady4ª feira 14 Junho 2006‘Novo Vizinho, Novo Desafio,’ um documento emitido pelo Austrálian Strategic Policy Institute em 2002, sublinha a importância da Austrália para a segurança de Timor-Leste. Também reflecte a importância de Timor-Leste para a segurança da Austrália, e fornece um prisma para ver os últimos desenvolvimentos:
A Austrália tem muito em jogo no futuro do nosso novo vizinho. Altruisticamente desejamos que o povo de Timor-Leste possa ter um futuro próspero e pacífico. Considerando mais os interesses próprios, o seu sucesso ou falhanço afectará directamente as próprias prospectivas da Austrália sobre a segurança.
Sérios problemas em Timor-Leste minarão os interesses estratégicos actuais da Austrália na estabilidade da nossa vizinhança próxima.No momento, o que preocupa a Austrália são as rotas marítimas e as reserves marítimas de petróleo e de gás à volta de Timor-Leste, bem como a entrada visível de um jogador regional: a China.
Quando o aliado da Austrália, os USA, colocaram a Asia Pacific no topo da sua prioridade estratégica no seu Quadrennial Defence Review de 2001, ficou claro para todos os analistas de defesa que o ‘competidor principal’ era a China.
O recentemente emitido relatório annual do Pentagono sobre o poder militar da China diz que o reforço militar da China ‘já alterou o equilíbrio militar na Asia-Pacifico e pode ser uma ameaça para as forças armadas regionais.’
O porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros Chinês, Liu Jianchao, acusou os USA de exagerar a força militar da China dizendo que é baseada numa ‘mentalidade de Guerra Fria’E uma ‘Nova Guerra Fria’ é exactamente o que emergiu.Timor-Leste é apenas um dos países da região apanhados no fogo-cruzado entre dois competidores estratégicos poderosos: China e os USA.
Infelizmente para Timor-Leste, está na vizinhança de algumas das rotas marítimas mais cruciais do Pacifico – a mais notável das quais o Estreito de Ombei Wetar Straits, uma passagem de águas-profundas entre os Oceanos Índico e Pacífico, importante para a passagem submarina, que será um vital ‘ponto de estrangulamento’ marítimo em qualquer conflito futuro.
Politicos e comentadores de todos os cambiantes têm sido cândidos acerca do que vêem como dilemas de Timor-Leste em tentar equilibrar-se entre dois gigantes. Da mudança rápida de aliança da China para Taiwan em Kiribati, ao alvo dos habitantes de etnia Chinesa nos distúrbios de Abril em Honiara, o ‘factor China’ está a causar o caos na região. Os locais receiam que as potências hegemónicas regionais - China, USA e Austrália – jogam um papel maior nesta instabilidade do que qualquer desassossego civil orgânico.
Os media Australianos escolheram ignorar a maior, questão estratégica até muito recentemente, permitindo que o Governo Australiano ‘interferisse’ no Pacifico com muito pouco criticismo ou análise independente.A Austrália continuará a afirmar-se no Pacifico — e dum ponto de vista de defesa racional, isto parece perfeitamente aceitável. O que pode ser contestado é a sabedoria de não interferir antes do conflito, mas somente depois de os chamados “Estados falhados” caírem no caos.
Ambas as missões, RAMSI nas Ilhas Solomão e a Operação Astute em Timor-Leste reflectem isso.Muitas dessas comunidades do Pacifico são pequenas, e é fácil encontrar mãos cheias de testemunhas (ou no meu caso, ser uma testemunha) de distúrbios que podiam ter sido facilmente contidos e tratados. É impossível no caso de Timor-Leste compreender como um gang de jovens desempregados desordeiros protestando contra o seu despedimento das forças armadas puderam emergir como dois gangs rebeldes (com conselheiros da ONU e Australianos presentes durante a confusão) exigindo a remoção do Primeiro Ministro.Muito tem sido dito na imprensa Australiana acerca de divisões étnicas entre o Leste e o Oeste de Timor-Leste que inflamaram a violência — uma divisão conveniente se se quer usar o caos civil como um pretexto para mandar forças militares e deixar o país debaixo da sua esfera de influência Mas pouco se ouviu acerca desta ter sido a terceira vez que forças internacionais falharam em evitar o povo de Timor-Leste de ser aterrorizado por uma terceira parte. Primeiro, houve o ataque Indonesio em 1999. O Segundo, os distúrbios de 4 de December de 2002 (que levaram aos primeiros apelos da imprensa Australiana para a demissão de Alkatiri, imediatamente antes das negociações do petróleo e do gás). E agora, o caos civil em 2006.Imediatamente depois do desassossego de 2002, entrevistei testemunhas locais bem como o líder da ONU e das forças Australianas acerca de queixas de que nada tinham feito para parar o caos.
Depois de muita investigação, foi-me dito que um representante da ONU foi ‘não-oficialmente’ ao gabinete do Primeiro Ministro Alkatiri pedir-lhe para se demitir, uma resposta interessante a distúrbios civis – e uma que faz uma anedota dos pretensos e apolíticos esforços humanitários da ONU.Desta vez, a ONU disse que enviará Ian Martin (que foi o Representante Especial da ONU em 1999 quando o pessoal internacional foi evacuado, deixando os Timorenses nas mãos dos militares Indonésios).
A questão que não tem sido respondida é como é que a situação pôde ter escalado até aqui? Irão os Timorenses outra vez ouvir palavras vazias dos burocratas acerca de ‘limitações’ para ‘assegurar a sua segurança’?A grande questão é se a Austrália escolhe permitir que Timor-Leste caia na anarquia ao estilo das ilhas Salomão, possibilitando assim que as suas tropas sejam depois destacadas para este local estratégico.Richard Woolcott, que foi o Embaixador Australiano em Jakarta na altura da invasão de Timor-Leste em 1975, disse recentemente na ABC Radio que um membro sénior da Administração Bush Administration lhe contou em 2000, que ‘Timor será o vosso Haiti.’Graças a Sean Leahy.Muito tem sido escrito acerca de Haiti e da demonização pela imprensa Americana do Presidente Jean-Bertrand Aristide em 2004.
A Austrália embarcou numa campanha similar contra Alkatiri. A imprensa Americana chamou a Aristide e ao seu Partido esquerdistas não-reconstruídos cujo modelo era a Revolução Cultural Chinesa. Alkatiri é acusado de ser um ‘Marxist Moçambicano’ – e o seu partido Fretilin ‘comunista’ – apesar do seu modelo ser mais o do Primeiro Ministro da Malásia, Mahathir bin Mohamad do que de mais alguém.
No Haiti, a Oposição teve o apoio do International Republican Institute (IRI) apoiado pelo governo dos USA. O papel dos USA em Timor-Leste não é menos interessante.
O IRI, o National Endowment of Democracy e o National Democratic Institute, criaram todos eles programas de ‘democracy’ que financiam a oposição local em Timor-Leste — a mesma oposição que tem boas relações com a Austrália.A Igreja Católica uma corpo influente em Timor-Leste, também tem estado por detrás da campanha anti-Alkatiri. Os seus protestos em 2005 contra as tentativas de Alkatiri para tornar não-obrigatória a instrução religiosa foram uma indicação perigosa de quanto poderosas essas forças se tinham tornado.
O comentário de Richard Woolcott sobre o Haiti chegou ao mesmo tempo de relatos de testemunhas de tropas Australianas falharem em assegurar a segurança dos locais e inflamou acusações que a Austrália é um actor importante no caos. Fontes locais relatam que antes do pedido de ajuda à Austrália, chegaram dois aviões com pessoal Australiano em roupas não-civis.
Conselheiros Australianos foram vistos em encontros com rebeldes e os seus conselheiros locais. Estas acusações requerem mais investigação se se quiser dissipar a suspeita do envolvimento Australiano.Enquanto que muitos Timorenses compreendem as preocupações de defesa da Austrália na Asia-Pacifico, preocupa-os também que a ‘defesa da Defesa’ permitirá à Austrália dominar esses pequenos países — no caso de Timor-Leste, um país com substanciais reservas de petróleo e de gás que foram o foco de difíceis negociações bilaterais.Em 7 de Maio, Marí Alkatiri chamou ao recente desassossego um ‘golpe’ — dizendo que ‘os estrangeiros estavam a vir para controlar e dividirTimor-Leste outra vez’ com ‘conselheiros estrangeiros a reunir-se com políticos e a irem às montanhas’ para encontros com os rebeldes.
Ele acusou os media Australianos de espalharem rumores de que ele já não era Primeiro Ministro. Numa entrevista comigo na semana passada, ele reiterou-me outra vez que não havia dúvidas que forças ‘no interior e no exterior’ de Timor-Leste estavam por detrás da agitação, e que ninguém o ia forçar a demitir-se com métodos violentos. Ele afirmou que 200,000 o apoiariam nas ruas.Desde 2002, que a retórica de Alkatiri tem sido ‘eles que tentem’ e ‘não sem o acordo da Fretilin’ Em entrevistas, ministros do seu Gabinete têm declarado abertamente que outros países ‘querem levantar uma outra bandeira sobre esta nação.’ A implicação tem sido sempre dirigida à Austrália.Mas quando funcionários dos USA começaram a encontrar-se com funcionários judiciários de Timor-Leste em 2003, ficou claro que maiores esforços internacionais vinham a caminho. O Primeiro Ministro disse na altura que os funcionários judiciários estavam a interferir ‘politicamente’ no país.
Privadamente, oficiais de Alkatiri declararam no mês passado: ‘eles tentaram com os protestos da Igreja, agora estão a tentar desalojá-lo via Fretilin. Isso não vai resultar. Eles não conhecem este país.’Os media Australianos não fizeram segredo do que acreditavam devia acontecer em Timor-Leste — em editoriais e em comentários tanto na imprensa como na rádio e televisão pediram a resignação de Alkatiri. Contudo pouco se ouviu da imprensa ou dos apoiantes dos “direitos humanos” de Timor-Leste sobre as consequências de desalojarem Alkatiri inconstitucionalmente.
No interior de Timor-Leste, as pessoas estão cientes dos jogos políticas que estão a ser jogados e o Presidente Xanana Gusmão é visto como um ‘homem da Austrália.’ Se Alkatiri é desalojado através de meios violentos, Gusmão ficará com a indesejável herança de ter expulsado inconstitucionalmente o primeiro líder de Timor-Leste, com o apoio tácito da Austrália.Isso seria um desastre para Timor-Leste, porque se podia seguir uma guerra política do tipo da do Haiti. Timor-Leste então tornar-se-ia na verdade parte do ‘arco da instabilidade,’um rótulo conveniente para líderes políticos internacionais que esconde a devastação do sofrimento dos locais.Se a luta actual de Timor-Leste faz parte das políticas da Nova Guerra Fria, então os povos da Asia-Pacifico têm muito a recear — e Canberra tem muito para responder.
http://www.timor-online.blogspot.com/
Pois é ou os meios de comunicação da nossa praça, andam distraidos, ou andam a ganhar algo que transcende o objectivo para o qual existem, será....

2006/06/14


Futebol

Eu também gosto de futebol, não sou “fanático”, mas gosto.
Sou daqueles que se senta para ver um jogo, mas que depressa se levanta quando o jogo não presta;
Sou daqueles, que é do Sporting desde pequenino, porque alguém lhe incutiu o clubismo;
Sou daqueles, que os Sportinguistas pensam que é do Porto, do Benfica,... pois mais vezes digo mal dos jogos do Sporting do que bem, desculpem mas mentiroso não sou.
Sou daqueles que quando houve as desculpas de sempre para justificar a derrota, vai beber um cafezinho;
Sou daqueles que abaixa o som da televisão, quando está a dar um jogo, pois não suporto ouvir as “santas ignorâncias” dos jornalistas, sendo que quem nada percebe de arbitragem, vai colher o “sumo azedo” destes jornalistas para poder discutir futebol no dia seguinte.

Mas por favor, abrirem um telejornal com futebol durante 37 minutos, é de santo, será que deixaram de existir problemas no nosso país, será que tudo está a correr bem no país das maravilhas???? Afinal Sócrates tem razão, estamos num Oásis.

Sobre este tema www.espiritodecontradicao.blogspot.com

Bolas...

Em primeiro lugar deixar isto bem explicadinho não vá ser acusado de lesa-magestade. Eu não sou visceralmente contra a bola. Até gostava de vibrar, de ter que fazer aos domingos à tarde, de beber uns canecos valentes enquanto insultava malta vestida de outra cor. Não estou a ser irónico. Gostava mesmo. A bem dizer, nestas coisas da selecção até consigo cumprir. Mas sem chama...
No entanto sempre me perguntei porque razão o futebol tinha assumido uma proporção quase total na vida de milhares de Portugueses. Como se tinha tornado religião para-oficial?
Desconfio que encontrei a resposta. Porque é fácil. Porque não é necessária nenhuma preparação ou bagagem cultural especial. Toda a sociedade, desde o investigador ao camponês analfabeto pode ser um virtuoso da bola. Saber discutir os lances, em especial o fora-de-jogo, o mais cabalístico de todos. É, em ultima análise, o mais democrático de todos os hobbies.
Gosto da escola contrafactual. Vou pedir-lhe ajuda para cimentar a minha teoria. Quais são os outros temas mais glosados? A crítica do vizinho e a vida das celebridades. Lá está. O mais fácil. Toda a gente sabe cortar na casaca ou elogiar o corte de cabelo da Pimpinha Jardim. Poderão argumentar que isto são coisas que "divertem" que descontraem e sendo o ser humano tendencialmente hedonista...
Erro. Basta ver que a conversa preferida de gente doente são as maleitas. Porque entre si têm informação suficiente para cimentar laços sociais. Nada divertido, convenhamos. Mas fácil...
Mas essa mesma democraticidade transforma-se no seu veneno. De escape das tensões, de passatempo torna-se rapidamente em sedativo social, redutor por excelência da cidadania. Chegamos a ouvir pérolas como «Votar? Só se for no Benfica...». E não tão raramente como seria desejável.
Há muito que socialista por estas paragens deixou de significar amante da cidadania. Agora, Terceira Via oblige, quer-se é produtividade. Bracinhos competentes, mentes adormecidas. Ou acham que o paulatino afastamento da Filosofia, Sociologia ou História de Arte das mesas do Secundário são porque a malta tem dificuldade em pronunciar antropónimos germânicos?
Como tal, vemos toda a máquina estatal e dos média unidos na divulgação do Mundial. Quase levando as pessoas a entender como patriótico o acto de esquecer todos os assuntos que não envolvam verde e vermelho e tricas do futebol. No fundo as mesmas que já se passaram em 86 ou no jogo dos iniciados de 1991 em que o Rubén empurrou o Noutel - filho do Mário - e o arbitro não assinalou. Até o campeão da produtividade liberal, Luis Delgado, se mostrou solidário com a tolerância de ponto para os deputados verem a bola. Se fosse um protesto de têxteis para o cumprimento efectivo das 8 horas diárias, eram comunistas atávicos sem visão de futuro...

Usando a terminologia clássica, Estado e Capital, pelas penas dos seus escribas mais eminentes, dão salvo conduto à populaça para festejar o mais que possa. Quem quer apostar que os "planos de pormenor" do PRACE - entre outras pérolas - serão anunciados no dia de um jogo dos cachopos do Scolari ou entre a repetição de um golo do gajo-que-nos-está-no-goto-porque-da-beijos-na-boca-da-Merche?
É que eu não acredito em bruxas, mas que as há,

2006/06/12


Steve Forbes, proprietário da publicação Forbes, está ligado à extrema-direita estadunidense e cubana nos Estados Unidos.
Cresceu na fazenda familiar de 40 acres, Far Hills, em Nova Jérsey, algo maltratado pelo pai, que o obrigava a usar o kilt, a saia escocesa, e tocar a típica gaita diante os seus convidados, sobre o ostentoso iate familiar, o Highlander.
Steve Forbes, que revela a suposta fortuna de uns personagens conhecidos e até inventa, descaradamente, os "900 milhões" do líder cubano, se negou a publicar os seus rendimentos ao IRS - os serviços federais de imposto - quando tentou conseguir a candidatura republicana para a presidência.
Herdeiro de mais de um bilhão de dólares, dedicou 100 milhões a duas campanhas eleitorais, tentando concretizar suas aspirações à presidência dos Estados Unidos.
Para sua primeira aventura presidencial, em 1996, Steve Forbes — parceiro de Jorge Mas Canosa— escolheu como assessores, colaboradores do "senador Não": Jesse Helms, conhecidos por terem concebido campanhas particularmente sujas.
Sabe-se que possui, além da sua residência e de vários imóveis, uma ilha em Fiji, um gigantesco iate, um Boeing 727 e um castelo na França, e as projecções mais descabeladas acerca de sua fortuna encontradas na Internet lhe atribuem contas bancárias na Suíça e estimam seu capital em torno dos US$ 800 biliões.
Numa ocasião, meu pai gastou US$ 5 milhões em sua festa de aniversário, em Tânger", se gabava Steve Forbes, filho de Malcolm, multimilionário dono da revista Forbes, quando lhe perguntaram por que não se gastaria alguns milhões a mais para tentar ser presidente dos Estados Unidos. Mas não conseguiu.
Tal como Dan Quayle, George W. Bush e muitos outros filhos-de-papai, soube evitar ser recrutado para ir combater no Vietname, ao entrar na Guarda Nacional.
Aos 22 anos, começou a trabalhar na revista paternal — seu pai é o único patrão que teve. Herdou depois o negócio, onde recebe agora um salário anual de US$ 1,2 milhão, além de outras utilidades que lhe provê seu estatuto.
Forbes, publicação tão interessada na fortuna do presidente cubano, não publica os nomes dos ex-mandatários latino-americanos acusados de fraude e de corrupção, nem fala dos negócios da empresa petroleira Bush, no Texas, que aumentaram as rendas do actual presidente estadunidense de maneira pouco clara.
Embora muitos duvidem do seu talento de administrador, Forbes chegou a vender mais de 4.500 páginas de publicidade ao ano, graças a uma política editorial bastante singular: não se publicam notícias más sobre companhias que compram espaço.
Dois momentos mostram sua belicosidade: em 1997 assinou o Projecto para um Novo Século Americano cujos objectivos são a retomada da liderança internacional dos Estados Unidos, a continuidade da política de Ronald Reagan e a “guerra preventiva”. Em 17 de Abril de 2006 declarou: “Quando tivermos uma guerra contra o Irão, que vamos ter, os preços do petróleo descerão”.
Sua gestão na Rádio Free Europe e Rádio Liberte — estações de propaganda anticomunista mantidas na Europa do Leste pela CIA — entregues por Ronald Regan, na década dos 80, do século passado, deveio um desastre financeiro por causa do descontrole das despesas.
Não se sabe o nível exacto de sua participação financeira na organização anti cubana Freedom House, onde é um dos membros da junta. A Freedom House é a casa matriz do Centre for a Free Cuba, do agente da CIA Frank Calzón.
Steve Forbes se tornou famoso por ter demitido sua secretária, Ann Barton, quando ia festejar seus 65 anos de idade, embora trabalhasse para ele durante 13 anos. O motivo: Forbes escreveu num editorial que faz falta desfazer-se forçosamente de seu pessoal quando atinge essa idade.
Por outro lado, a corporação Forbes também investiu pesado em terras, em Colorado e Missouri, que comercializou através de anúncios em suas próprias páginas. O carácter irregular do contrato de venda fez com que, há alguns anos, Forbes tivesse que reembolsar dinheiro a compradores que achavam ter sido vítimas de um roubo.
A revista Fortune, por seu lado, valorizou o capital pessoal de Steve Forbes em US$ 439 milhões e a fortuna familiar em, aproximadamente, 1,4 bilhão.

Granma Internacional
Revista Koeyu Latinoamericano
voltairenet.org

2006/06/09


Fórum Social Mundial

A agenda do FSM e a luta contra o Império
por Marco Aurélio Weissheimer
*

O Fórum Social Mundial nasceu em 2001 como um contraponto a Davos. De lá para cá, construiu uma agenda própria e começou a formular propostas para uma nova ordem global. Esse movimento assume um crescente carácter de luta contra a política imperial dos Estados Unidos.
Uma brevíssima história do Fórum Social Mundial poderia ser contada tomando como ponto de partida o ano de 1998, com a derrota do projecto do Acordo Multilateral sobre Investimentos (AMI), e, logo em seguida, em 1999, com o êxito das manifestações de Seattle contra a reunião de cúpula da Organização Mundial do Comércio (OMC). O AMI foi uma iniciativa dos países da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), iniciada nos anos de 1990 e que teve sua negociação suspensa devido, entre outros factores, a constantes desacordos entre seus membros, principalmente no que se refere a temas como nacionalização, excepção cultural, desregulamentação, propriedade intelectual e segurança. Seattle foi um ruidoso desmentido das teses dos defensores do fim da história.
Foram duas derrotas inesperadas para os defensores da globalização neoliberal, que pregavam o aprofundamento da desregulamentação económica em todo o mundo, com ampla liberdade de circulação de capitais.
Animado por essas importantes vitórias, um conjunto de movimentos sociais de vários países começou a discutir a necessidade de realizar um encontro internacional para se contrapor ao Fórum Económico Mundial de Davos, que reúne os ideólogos do actual modelo de globalização. Nascia, assim, o Fórum Social Mundial, em Porto Alegre, um movimento internacional por outra forma de globalização. Um movimento que não parou de crescer.
A capital gaúcha foi escolhida como sede do FSM em função das políticas de participação popular implementadas pelas administrações petistas na cidade. A primeira reunião do Fórum Social Mundial foi marcada pela ideia de estabelecer um contraponto a Davos. O sucesso foi tamanho que, já no ano seguinte, o carácter anti-Davos começou a ser substituído por uma agenda própria, de carácter prepositivo, que iria se internacionalizar e se aprofundar nos anos seguintes. A internacionalização do Fórum
Em 2001 e em 2002, os organizadores e participantes do FSM trataram de, como observou o jornalista Ignácio Ramonet, criar “uma reunião paralela simétrica, mas de sinal político inverso”, ao Fórum Económico Mundial, que todos os anos reúne, em Davos, na Suíça, os “donos do mundo”, preocupados em aumentar seus lucros e negócios sem levar em conta os custos políticos, sociais, ecológicos e culturais. O lema “Outro mundo é possível” ganhou repercussão e múltiplos significados em todo o mundo, surpreendendo aqueles que identificavam o novo movimento como uma nuvem passageira que iria se dissipar rapidamente no ar. Mas, ao invés de se dissipar, o FSM acabou se espalhando no ar, o que ficaria evidenciado em suas edições seguintes, em 2003 (mais uma vez em Porto Alegre), e, em 2004, em Mumbai, na Índia. A internacionalização do Fórum foi aumentando a cada ano, incorporando crescentemente novos temas e agentes sociais.
Em 2003, a crise política internacional gerada pelos atentados de 11 de Setembro de 2001 em Nova York e a iminente invasão do Iraque pelos Estados Unidos impuseram uma agenda prioritária ao FSM: a luta contra a guerra e pela paz. A incorporação desse tema não se deu apenas por um carácter conjuntural. Ficava cada vez mais evidente a relação entre o actual estágio do sistema capitalista internacional e a lógica da guerra e do unilateralismo como mecanismo de resolução de conflitos. A militarização da agenda política das nações mostrava-se como a outra face da globalização neoliberal. Deste modo, lutar por um “outro mundo possível” significa, entre outras coisas, lutar contra a política unilateral e imperialista comandada pela maior potência do planeta, os EUA, e por seus aliados. Em 2003, milhões de pessoas saíram às ruas em todo o mundo para protestar contra a guerra e contra a transformação da “guerra ao terrorismo” em uma guerra pelo controle do mundo.
Para dar maior densidade e articulação política a essa luta, o Fórum Social identificou como uma tarefa estratégica o aprofundamento de seu carácter internacional. Foi assim que, em 2004, saiu de Porto Alegre e foi para Mumbai, na Índia. O FSM ganhou em diversidade e em internacionalização. A luta contra a guerra e pela paz esteve mais uma vez no centro dos debates, mas a novidade mais importante foi a participação massiva de movimentos sociais e actores políticos que não haviam participado dos três fóruns anteriores em Porto Alegre. Mas não foi meramente o deslocamento para a Índia que garantiu o êxito desse processo de internacionalização. Antes de Mumbai, dezenas de fóruns regionais e temáticos foram realizados em diversos países e continentes, incorporando cada vez mais novas organizações e temas ao universo do FSM, que se consolidou como um movimento de carácter global, com crescente capacidade de articulação política.

A luta contra o Império
Mas esse crescimento não foi apenas quantitativo. Na quinta edição do Fórum, que retornou a Porto Alegre, em 2005, a evolução política qualitativa do movimento altermundista ficou evidente. Essa evolução manifestou-se pelo amadurecimento de propostas concretas para a construção de um outro modelo de globalização, uma globalização solidária dos povos e não exclusivamente do capital. Um grupo de intelectuais e movimentos sociais lançou a Carta de Porto Alegre, apresentando propostas nesta direcção. Ao todo, foram apresentadas 352 propostas das mais diferentes organizações do planeta. De um espaço de contraponto ao Fórum de Davos, o FSM tornou-se definitivamente um espaço de construção de propostas, passando da resistência e dos protestos à elaboração de alternativas. Totalmente autogestionadas, as actividades de 2005 deram um vigoroso impulso às mobilizações contra a política imperial dos EUA, implementada pelo governo de George W. Bush.
Em 2006, essa luta deve ganhar contornos ainda mais nítidos, com a articulação entre movimentos sociais e governos de esquerda para a criação de uma frente internacional anti-imperialista. No dia 18 de Janeiro, na véspera da abertura do Fórum de Mali (19 a 23 de Janeiro), em Bamako, será realizada a Jornada Internacional sobre a Reconstrução do Internacionalismo dos Povos e da Frente Anti imperialista”. A mesma pauta será discutida, de 24 a 29 de Janeiro, no Fórum de Caracas. De 2001 a 2006, evoluiu a consciência de que a luta pela construção de um “outro mundo” passa, necessariamente, pela luta contra as políticas imperiais dos EUA e de seus aliados, que vêm aumentando dramaticamente a instabilidade política, social e ambiental no planeta. A luta anti-Davos gerou uma agenda própria, mas a implementação dessa agenda em carácter global assume cada vez mais o carácter de uma luta contra o Império, que tem nome, sobrenome e sede própria.
A participação e o recado da juventude
A evolução quantitativa e qualitativa da agenda política do Fórum Social anda de mãos dadas com um fenómeno que desmente, de diferentes modos, os ideólogos do fim da história e da política: a impressionante participação da juventude. Os acampamentos internacionais realizados nas edições dos FSM revelaram uma inegável vontade de participação política.
Revelaram, por outro lado, o desgaste das formas tradicionais de fazer política. O recado aos partidos políticos de esquerda é muito claro: ou mudam – e mudam profundamente -, ou se tornarão estruturas obsoletas do ponto de vista daqueles que vêem o FSM como um espaço para a construção de políticas alternativas à ordem global dominante. A juventude que participa desse movimento já deixou bem claro também que não vai ficar esperando sentada por essas mudanças. Nos acampamentos e nos diversos espaços do Fórum, trabalham pela construção de alternativas aqui e agora.
O movimento do software livre, a adopção de práticas de construção e gestão ambientalmente sustentáveis, a valorização da autogestão como prática organizativa são algumas das novidades, cujos actores têm uma faixa etária de vinte e poucos anos.
A necessidade de expressão política e cultural manifesta-se de um modo cada vez mais diversificado. Entender o significado mais profundo dessa tendência é outro elemento que desafia as formas tradicionais de representação e acção política. A política não morreu e a história não acabou. Mas é preciso despertar do sono dogmático que parece dominar muitos agentes políticos que, no discurso, defendem o ideal do FSM, mas, na prática, comportam-se como zumbis a repetir grunhidos que não são mais ouvidos pela imensa massa de jovens que participa, em número crescente, dos encontros altermundistas que se multiplicam pelo planeta. A história do FSM deixa isso bem claro para quem quiser ver e ouvir.

Marco Aurélio Weissheimer
Periodista brasileiro. Jornalista brasileiro

Mitos e realidades
Estará realmente a América Latina a virar-se para a esquerda?
por James Petras

No Hemisfério Ocidental, uma nova série de polaridades sociais e nacionais dominou a vida política durante os últimos poucos anos. No princípio do novo milénio a confrontação nacional era entre Cuba e os EUA/UE, e as confrontações sociais entre os movimentos rurais/índios e de urbanos/desempregados e uma colecção de regimes neoliberais à escala continental. Esta polarização resultou dos 25 anos anteriores (entre 1975-2000), a "Idade de Ouro" da pilhagem imperial. Enormes transferências legais e ilegais de propriedade, de riqueza, de lucros, juros e pagamentos de royalties fluíram da América Latina para os EUA e a UE. A maior parte das empresa públicas lucrativas, avaliadas em mais de US$ 350 mil milhões de dólares, foram privatizadas sem quaisquer pruridos constitucionais e acabaram finalmente nas mãos de corporações multinacionais e bancos americanos, espanhóis e outros europeus. Decretos presidenciais ultrapassaram congressos e eleitorados e determinaram um lugar privilegiado para o capital estrangeiro. Protestos da parte de Congressos, de eleitorados e de auditores nacionais foram ignorados.
A "Idade de Ouro" do capital multinacional coincidiu com o reino de regimes eleitorais cleptocráticos abençoados nos círculos políticos europeus e norte-americanos e reflectidos nos mass media como a era de "Democracia e Mercados Livres". O roubo (plunder) efectuado pelas multinacionais e bancos dos EUA/UE entre 1975 e 2005 montou a um valor de mais de US$ 950 mil milhões de dólares. O roubo sem o desenvolvimento conduziu inevitavelmente a uma crise sócio-económica geral e ao quase colapso do modelo de acumulação capitalista centrado no império da Argentina (1998-2002), do Equador (1996-2006), da Bolívia (2002-2005) e do Brasil (1998-2005). Principiando no início da década de 1990, movimentos extra-parlamentares emergiram na maior parte da América Latina e foram acompanhados por levantamentos populares em grande escala, depondo dez encarregados neoliberais que actuavam como "Presidentes" instalados sob o patrocínio dos EUA/UE: Três no Equador e na Argentina, dois na Bolívia, um na Venezuela e um no Brasil.
Em retrospectiva, é claro que a nova onda de movimentos sócio-políticos potencialmente revolucionários atingiu o seu cume de poder por volta de 2002. Com apoio, legitimidade generalizada, enfrentando uma classe política burguesa corrupta, desacreditada e dividida internamente, e economias em crise, os movimentos sócio-políticos estavam numa posição forte para iniciar mudanças estruturais abrangentes, se pudessem transformar poder social em poder de estado.
Mas os movimentos de massas hesitaram, seus líderes pararam às portas do palácio executivo. Ao invés disso procuraram novos e reciclados políticos eleitorais de "centro-esquerda" para substituir os velhos partidos e líderes desacreditados da direita neoliberal. Por volta de 2003, os movimentos sociais começaram a declinar pois muitos líderes foram cooptados pela nova onda de políticos que se auto-descrevem como de "centro-esquerda". As promessas de "transformação social" foram reduzidas a patrocínios, subsídios e políticas macroeconómicas ortodoxas que seguiam o mesmo dogma neoliberal. Mas, em alguns países, as lutas de massa da década de 1990 até 2002 conduziram a novos regimes políticos, os quais não eram clientes americanos e nem estavam livres da influência neoliberal, nomeadamente a Venezuela e a Bolívia.
Em 2006 emergiu uma nova configuração em que as polarizações nacionais numa medida significativa ofuscaram as divisões de classe social. O novo divisor internacional de águas encontrou a UE e os EUA de um lado e Cuba, Venezuela e Bolívia do outro. Esta polarização primária encontra expressão na América Latina entre, de um lado, um polo da "Nova Direita" neoliberal constituída por ex-esquerdistas e clientes pseudo-populistas da América Central e do Sul, e, do outro lado, de nacional-populistas na Bolívia e Venezuela. E entre eles está um grande grupo de países, os quais podem mover-se numa das duas direcções. Os advogados da "Nova Direita-Mercado Livre" incluem o regime Lula no Brasil, o presidente Fox em fins de mandato no México, cinco regime centro-americanos, o governo Vasquez no Uruguai, o regime de "Estado Terrorista" do Uribe na Colômbia, o governo da Bachelet no Chile e o pronto para partir de Toledo no Peru.
Na "corda bamba" está o governo Kirchner na Argentina, reflectindo um desejo de aprofundar laços comerciais com a Venezuela, neutralizar pressões nacionalistas-populistas e promover uma aliança capitalista mista, nacional-estrangeira, com os EUA, UE e China. O Equador, os países do Caribe, a Nicarágua e possivelmente o Peru são lugares de competição. Devido aos subsídios do petróleo, todo o Caribe (com excepção da República Dominicana) recusou apoiar politicamente a UE/EUA contra a Venezuela/Bolívia, mesmo quando procuram promover o acesso a mercados do norte. Fora da Europa e da América do Norte, no movimento não alinhado, a China, a Rússia e alguns estados árabes produtores de petróleo tomaram abertamente ou discretamente o lado da aliança nacionalista cubana-venezuelana-boliviana.
A intersectar as divisões nacionalistas estão as polarizações de classe. O pontos de inflexão mais fortes encontram-se no Equador, Venezuela, Colômbia, Costa Rica, México, Bolívia, Paraguai e mais recentemente o Brasil. No Equador, a CONAIE reconstruiu sua base de massa (após o fracasso do apoio ao pseudo-populista Gutierrez para a presidência em 2002) e em aliança com sindicatos urbanos de massa foi efectiva em derrotar o acordo de livre comércio (ALCA) apoiado pelos EUA e em cancelar contratos petrolíferos com a Occidental Petroleum, uma companhia americana. Na Venezuela, há uma polarização dual: por um lado a classe trabalhadora e os pobres urbanos contra os latifundiários, a elite dos negócios e dos media; por outro, dentro do vasto espectro dos apoiantes de Chavez, dentre directores de empresas ricas do estado, burocratas de elite, homens de negócios "nacionais" e generais da Guarda Nacional e sindicalistas, agricultores sem terra, favelados urbanos e "trabalhadores informais" desempregados. Na Bolívia, as contradições de classe permanecem latentes devido à 'polarização nacional', mas exprimem-se no conflito entre as políticas macroeconómicas ortodoxas de Morales e os reles aumentos de salários dados aos trabalhadores mal pagos da educação, saúde e outros do sector público.
Em países onde a polarização entre o nacionalismo latino-americano e o imperialismo UE/EUA é mais forte, a luta de classe, pelo menos temporariamente, é amortecida. Por outras palavras, a luta nacionalista inclui (subsumes) a luta de classe com a promessa de que maior controle nacional resultará em recursos estatais acrescidos e subsequentemente medidas redistributivas.
No Brasil, o conflito de classe declinou devido à subordinação da confederação sindical tradicional (CUT), e numa certa medida do MST (Movimento dos Trabalhadores Sem Terra), ao regime neoliberal de Lula. No entanto, devido à selvagem redução de Lula das pensões dos funcionários públicos e da oposição a aumentos substanciais de salários e do salário mínimo, os sindicatos representativos dos funcionários públicos, metalúrgicos e trabalhadores da construção civil fundaram uma nova e dinâmica confederação sindical,
CONLUTAS , em 5-7 de Maio de 2006. Com mais de 2700 delegados de 22 estados representando aproximadamente 1,8 milhão de trabalhadores, a CONLUTAS representa uma polo de alternativa social para as dezenas de milhões de trabalhadores e pobres brasileiros abandonados pelo abraço de Lula aos banqueiros, agro-business e multinacionais estrangeiras. A CONLUTAS adoptou um tipo de organização de movimento social incluindo trabalhadores empregados e organizações de desempregados, de bairro e movimentos de trabalhadores rurais, estudantis, de mulheres, ecologistas e trabalhadores sem terra dentro da sua estrutura operativa. A representação no Congresso foi baseada em eleições directas de assembleias democráticas. A emergência de uma nova confederação sindical com base de massas representa a primeira grande ruptura dentro do regime neoliberal de "centro-esquerda" de Lula. Como tal, ela anuncia uma revitalização política da classe trabalhadora e apresenta uma alternativa real para o poder em retrocesso da confederação pro-regime.

REALIDADES E MITOS DAS TENSÕES INTERNACIONAIS
Há grandes e muitos mal entendidos e confusões tanto à direita como à esquerda quanto à natureza dos conflitos entre nacionalistas latino-americanos e os estados EUA/UE e as corporações multinacionais. O primeiro ponto de clarificação é acerca da natureza das medidas nacionalistas adoptadas pelo presidente Chávez da Venezuela e o presidente Morales da Bolívia. Nenhum dos dois regimes aboliu a maior parte dos elementos essenciais da produção capitalista, nomeadamente lucros privados, propriedade estrangeira, repatriação do lucro, acesso ao mercado ou abastecimento de gás, energia ou outros bens primários, nem tão pouco puseram fora da lei futuros investimentos estrangeiros.
De facto, os enormes campos petrolíferos do Orinoco, na Venezuela, das mais ricas reservas de petróleo do mundo, ainda são possuídos pelo capital estrangeiro. A controvérsia sobre as medidas económicas radicais do presidente Chávez giram em torno de um aumento do imposto e do royalty de menos de 15% para 33% — uma taxa que ainda está abaixo do que é pago pelas companhias de petróleo no Canadá, no Médio Oriente e na África. O que produziu o fluxo de espuma vitriólica dos media americanos e britânicos (Wall Street Journal, Financial Times, etc) não foi uma análise comparativa dos impostos e royalties actuais mas sim uma comparação retrospectiva com o passado virtualmente livre de impostos. Na verdade, Chavez e Morales estão simplesmente a modernizar e corrigir as relações de um estado produtor de petróleo para os actuais padrões mundiais; num sentido, eles estão a normalizar relações reguladoras em face de lucros excepcionais e inesperados. A dura reacção dos governos dos EUA e da UE e das multinacionais de energia resulta de se terem habituado a pensar que os privilégios excepcionais eram a norma do 'desenvolvimento capitalista' ao invés de serem o resultado de responsáveis venais. Assim, resistiram à normalização de relações capitalistas na Venezuela e na Bolívia em joint ventures estado-privados e na partilha de lucros, comum na maior parte dos outros países. Não é de surpreender que o presidente da Royal Dutch Shell, Jeroen van der Veer, tenha aconselhado seus colegas do petróleo a considerar que a posição nacionalista dos países ricos em petróleo e a sua reformulação de contratos como uma "nova realidade" que as companhias internacionais de energia têm de aceitar. Van der Veer, o realista, coloca as reformas nacionalistas em perspectiva: "Na Venezuela fomos um dos primeiros a renegociar. Sob as circunstâncias estamos bastante satisfeitos por podermos trabalhar ali o nosso futuro. Estamos em harmonia com o governo, o que é muito importante. Na Bolívia, assumo que chegaremos a uma solução" (Financial Times, 13 de Maio de 2006, página 9). Da mesma forma, a Pan Andean Resources (PAR), uma companhia irlandesa de gás e energia, declarou que podia operar com êxito na Bolívia a seguir à declaração de "nacionalização" de Morales. David Horgan, presidente da PAR, ao justificar uma joint venture de gás com os bolivianos, declarou: "Realmente não nos importamos com os precedentes que isto (o acordo da PAR com o estado boliviano) estabelece. O que as grandes (majors) vêm como um problema nós vemos como uma oportunidade" (Financial Times, 13 de Maio de 2006).
De facto, em 29 de Maio de 2006 o governo Morales anunciou na Bolívia o vencedor do concurso, entre as maiores companhias de mineração privada do mundo, para explorar Mutun, com 40 mil milhões de toneladas de minério de ferro. Os novos termos do governo boliviano, tal como esboçados pelo seu principal ideólogo, o vice-presidente LInera, proporcionam garantias judiciais e estabilidade para todos os investimentos, em troca de uma participação nos lucros (profit sharing) e de esquemas de administração conjunta. Claramente, as grandes corporações mineiras são da escola "realista" de recolher grandes lucros de matérias-primas estratégicas com preços elevados em troca de pagar impostos mais altos e incluir tecnocratas bolivianos na sua equipe de administração.
Os maiores pontos de conflito não são a aversão ao capitalismo em favor do socialismo, nem mesmo a propriedade privada contra a nacionalização da propriedade, evitando a revolução social que conduziria a uma sociedade igualitária. Os grandes conflitos são sobre: 1) Aumentos nos impostos, nos preços e nos pagamentos de royalties; 2) a conversão de firmas para joint ventures; 3) a representação nos conselhos de administração; 4) a distribuição de acções entre nomeados estrangeiros e executivos indicados pelo estado; 5) o direito legal de rever contratos; 6) pagamentos compensatórios por activos presumidos e 7) administração da distribuição e das vendas de exportação.
Estas regulações e reformas propostas podem aumentar as reservas do estado e influenciar mas nenhum destes pontos de conflito envolve uma transformação revolucionária da propriedade ou das relações sociais de produção. As mudanças propostas são reformas, as quais lembram as políticas empreendidas pelos partidos social democratas europeus entre 1946 e a década de 1960 e as da maior parte dos países produtores de petróleo na década de 1970, incluindo monarquias árabes e repúblicas islâmicas e seculares. Na realidade, regime políticos anteriores tanto na Venezuela (1976) como na Bolívia (1952 e 1968) tomaram medidas muito mais radicais ao nacionalizar o petróleo e outros sectores mineiros.
A Venezuela aumentou os pagamentos de royalties e impostos às companhias internacionais de petróleo porque eles estavam muito abaixo dos níveis globais. Excepto para uns poucos operadores mais pequenos que recusaram as novas regras do jogo e foram expropriados, nenhuma das maiores firmas foi tomada, nem a relações trabalhador-empregador foram alteradas na firma estatal (PVDSA) ou em qualquer das companhias estrangeiras. Suas estruturas verticais convencionais permanecem intactas como se queixam muitos sindicalistas da base. Ao longo dos últimos três anos todas as grandes firmas petrolíferas dos EUA e UE que operam na Venezuela têm estado a ganhar lucros récord que excedem suas alturas históricas em vários milhares de milhões (euros ou dólares). Apesar dos discursos da revolução bolivariana, nenhuma das majors do petróleo indicou qualquer intenção de abandonar arranjos lucrativos com o estado venezuelano, mesmo com a retórica aquecida de Washington e Bruxelas.
O conflito dos EUA e UE com a Venezuela é sobre política e ideologia tanto quanto sobre poder e lucros das suas companhias de petróleo. Eles objectam a que a economia mista da Venezuela, com modelo de impostos mais elevados, venha a substituir o modelo desregulado, com baixos impostos, privatizado e desnacionalizado prevalecente na América Latina desde a década de 1970 e actualmente a ser promovido por toda a parte (Líbia, Iraque, Indonésia, Brasil e México). O problema chave é que o presidente Chavez, operando a partir de uma forte base económica e política, resultante dos recursos acrescidos do petróleo, tem argumentado por uma maior integração regional — livre da dominação EUA/UE. Isto enraiveceu Washington e Bruxelas, pois eles temem que maior integração latino-americana possa limitar o mercado futuro e a penetração do investimento. Na política mundial o apoio e a defesa de Chavez da auto-determinação de todas as nações, colocou-o em oposição à intervenção militar americana no Iraque, à ocupação EUA/UE do Afeganistão e às suas ameaças de guerra conjunta contra o Irão. A posição de Chávez é em parte devido ao envolvimento americano num fracassado golpe militar no seu país em 2002.
Em suma, o conflito é entre líderes nacionalistas eleitos democraticamente que apoiam uma economia mista para financiar o bem estar social contra o império dos EUA e da UE, com políticas intervencionistas que pretendem preservar a "Idade de Ouro" da pilhagem de economias privatizadas não reguladas e dos seus privilegiados pagamentos de impostos excessivamente baixos na exploração de recursos energéticos.
O conflito em desenvolvimento entre a Bolívia e o Brasil, entre a Argentina e a Espanha e os seus apoiantes nos EUA/UE segue um padrão semelhante ao do conflito da Venezuela com os EUA. Primeiro a tentativa dos propagandistas das corporações estrangeiras de petróleo de pintarem o presidente Morales como um "discípulo" ou "seguidor" de Chavez, e as suas políticas nacionalistas simplesmente como uma genuflexão à projecções de poder de Chavez. Não há base para afirmações de maquinações externas. A oposição e as greves gerais verificaram-se na Bolívia desde o início do processo de privatização, em 1996, dois anos antes de Chavez ser eleito. A oposição a acordos privados de gás intensificou-se em 2003 com um levantamento popular que derrubou o presidente (Sanchez de Losada) apelando à nacionalização do gás e do petróleo. Em 2004 foi aprovado um referendo por 80% do eleitorado, o qual clamava por um aumento de pagamentos de impostos e royalties e controle do estado. Ao contrário da Venezuela, Morales enfrenta intensa pressão interna dos sindicatos e organizações de massa para cumprir suas promessas eleitorais. Todos os programas de reformas sócio-económicas e a estabilidade política e legitimidade do presidente Morales dependem de assegurar rendimentos adicionais de impostos das multinacionais. Dado o facto de que herdou um défice orçamental muito grande e uma dívida externa substancial (a qual ele se sente obrigado a pagar) e está comprometido com um programa de austeridade estilo FMI, sua única solução é mais receitas do petróleo e do gás. Acima de tudo, uma vez que Morales foi eleito tendo como base "trazer dignidade ao povo índio", ele não pode ignorar a arrogância com a qual as companhias de petróleo e de gás desafiadoramente puseram de lado suas propostas iniciais para negociar novas taxas fiscais e joint ventures. Com o apoio financeiro e político da Venezuela rica em petróleo, Morales declarou a "nacionalização" como uma pressão táctica para forçar as companhias a negociarem. Assim como as políticas sócio-económicas do presidente Chavez foram radicalizadas pelo golpe militar apoiado pelos EUA e pelo lockout petroleiro das elites de executivos, Morales radicalizou suas tácticas a fim de assegurar concessões económicas e negociações sérias do gás e do petróleo com as multinacionais.
O objectivo de Morales é negociar de boa fé e assegurar algum tipo de partilha de lucros e aumentos de impostos. A contínua intransigência das companhias de petróleo e gás, uma política do "tudo ou nada" poderia radicalizar a base eleitoral do seu regime. "Aqueles que tornam as reformas impossíveis, tornam a revolução inevitável". Naturalmente, a Bolívia sob Morales está muito longe de adoptar um programa revolucionário anti-capitalista. Mesmo o aumento da receita fiscal para 82% é uma medida "transitória" a ser negociada. Mas ele tem demonstrado uma aptidão para mobilizar o estado e estender sua influência sobre as operações das corporações. Ele estabeleceu claramente que os contratos petrolíferos existentes são inconstitucionais.
Na segunda semana de Maio, a grandes companhias de gás e petróleo ainda não haviam reconhecido que têm mais a ganhar em negociar com Morales do que em aquecer os movimentos sociais. No máximo as negociações resultarão, provavelmente, num aumento das receitas de impostos e royalties — provavelmente para 50%. O preço de compra do gás subiria modestamente, e alguma espécie de acordos de administração conjunta estado-privado seriam assinados. Os líderes políticos brasileiros e da UE e executivos da energia podem mover-se da "confrontação" para "negociações" e cooptação. As propostas de joint ventures e economia mista de Morales, ao contrário, enfrentam pressões do FMI, de Solbes, ministro espanhol das Finanças, e de Amorim, ministro brasileiro do Exterior, no sentido de pagar o valor de mercado por quaisquer acções (shares) — o que potencialmente levaria o estado à bancarrota. Ameaças de rupturas judiciais e diplomáticas continuam a ser utilizadas a fim de limitar qualquer controle estatal efectivo sobre as empresas de gás. Enquanto isso, Zapatero, primeiro-ministro espanhol, e Silva, presidente do Brasil, confiam em negociações, pressão "interna" e a ajuda do estado desempenha o papel do "bom polícia" para diluir ainda mais as reformas de Morales.
Seja qual for o acordo global, a chave estará nos pormenores. Mais especificamente nos procedimentos operacionais concretos, controle da informação, da produção e dos processos de comercialização, onde se pode esperar que os executivos encarregados farão todo o possível para minar o controle efectivo do estado. Enquanto polarizações políticas e económicas intensificam-se a nível internacional, uma crise interna está a levantar-se dentro dos EUA. O desastre militar no Iraque levou a duas opções: uma retirada para reconstruir a potência imperial e planos para uma nova guerra aérea contra o Irão, para recuperar poder imperial. Uma coligação liderada pelas principais organizações pro-Israel, os militaristas civis do Pentágono, a maioria dos mass media e uma minoria do público geral apoia um ataque militar. Em oposição está uma grande proporção de oficiais militares na reserva, líderes da indústria do petróleo, a maioria das organizações cristãs e muçulmanas e a maioria do público americano.
As múltiplas guerra no Médio Oriente no Sul da Ásia e o crescente descontentamento interno com os custos da guerra enfraqueceram substancialmente a capacidade dos EUA para empenhar-se numa intervenção com toda a força na América Latina. Ao invés disso, é forçado a confiar nos seus regimes clientes latino-americanos e nos "aliados" europeus para isolar e enfraquecer os governos nacionalistas de Chavez e Morales e conter a crescente oposição popular e eleitoral no México, Nicarágua, Equador, Colômbia, Peru e Brasil. O problema para Washington é que os actuais clientes-presidentes latino-americanos são fracos ou a caminho de deixarem o gabinete. No fim de 2006, quase todos os mais servis clientes-presidentes de Washington terão saído. Em alguns casos serão substituídos por clones políticos mas em outros os líderes recém eleitos podem estar menos dispostos a provocar conflito com seus vizinhos nacionalistas.
Contrariamente à euforia da esquerda nos EUA e na Europa Ocidental, os novos governos nacionalistas enfrentam sérios desafios internos da parte dos seus próprios apoiantes. Enquanto reagiam com êxito às pressões imperialistas e aumentavam seus rendimentos fiscais do capital estrangeiro, eles menosprezaram a implementação de reformas sociais da mais extrema urgência para os seus apoiantes. Tanto a Venezuela como Cuba, apesar das promessas do governo, atrasaram-se muito em colmatar o enorme défice em habitação e transporte, e os esforços para diversificar suas economias estão aquém dos objectivos, particularmente nas agro-indústrias (açúcar para etanol e produção local de alimentos em Cuba; carne, aves, peixe e cereais na Venezuela), indústria (especialmente armas, bens duráveis, tecnologia da informação e electrónica) e processamento de minerais. Além disso, na Venezuela há grandes sectores, talvez 50%, da força de trabalho com acesso melhorado a serviços sociais gratuitos mas que estão empregados no "sector informal" com remunerações baixas.
Na Bolívia, Morales anunciou um programa de reforma agrária, o qual será baseado na expropriação de terra sub-utilizada, excluindo as grande e lucrativas propriedades produtivas de agro-business nas férteis planícies de Santa Cruz. Ao invés disso ele enfatiza distribuir terras do estado menos férteis longe de mercados e rodovias. A chave para o êxito da reforma agrária dependerá do procedimentos de implementação e adjudicação e da disponibilidade de crédito e assistência técnica. Além disso, a política de salários e rendimentos de Morales é apenas marginalmente melhor do que a dos seus antecessores neoliberais: os aumentos de salários para professores e outros trabalhadores do sector público são menos 5% além da taxa de inflação. Sua promessa de duplicar o salário mínimo de US$ 50 para US$ 100 por mês foi repudiada em favor de um aumento de US$ 6. Por outras palavras, se a polarização internacional não for apoiada por políticas internas redistributivas, afectando a riqueza e os activos dos muito ricos, tanto na Venezuela como na Bolívia, importantes sectores populares estrategicamente necessários como apoio em quaisquer confrontações internacionais poderiam ser alienados. Gestos internacionais grandiosos, solidariedade humanitária e políticas anti-imperialistas não são substitutos para o aprofundamento de mudanças internas estruturais e o cumprimento de reivindicações internas essenciais como habitação, emprego e salários mais elevados.

CLASSE, POLARIZAÇÃO REGIONAL E CRISE NA BOLÍVIA
Se, como temos argumentado, a polarização emergente na América Latina é entre regime neoliberais centrados no império e populistas nacionalista reformistas, segue-se que a resolução com êxito deste conflito depende em parte da premissa da estratégia reformista: sua crença de que reformas sócio-económicas são compatíveis com o desenvolvimento capitalista nacional. No caso do presidente Morales, eu argumentaria que a sua estratégia política eleitoral-programática ditou sua análise política e sócio-económica. As premissas das políticas de reforma de Morales foram ditadas por várias premissas dúbias: 1) a crença de que o capital "produtivo" pode ser separado do capital "improdutivo", e portanto que a reforma agrária confinada a e afectando apenas a "terra inexplorada" ou "terra sem uma função sócio-económica" não geraria oposição da elite e seria compatível com uma coligação eleitoral multi-classista. Isto demonstrou-se incorrecto: os grandes latifundiários "produtivos" opõem-se veementemente à reforma agrária e são apoiados pelas elites dos negócios e da banca, especialmente em Santa Cruz, porque têm haveres investidos que cruzam fronteiras sectoriais (incluindo bancos, indústria, terra produtiva para exportações e terras improdutivas mantidas para especulação).
A segunda falsa premissa da estratégia de reforma do presidente Morales baseia-se num diagnóstico errado da "dicotomia" entre capital estrangeiro e nacional. O presidente Morales acredita que ao "nacionalizar" ou mais precisamente converter companhias de petróleo e gás possuídas por estrangeiros em empresas conjuntas estado-privadas poderia financiar o desenvolvimento capitalista nacional e assim assegurar o seu apoio. Esta "análise" subestimou totalmente as ligações económicas e políticas entre grandes e médias empresas e empresas de propriedade estrangeira. Muitas firmas bolivianas são fornecedoras, subempreiteiras e importadoras que dependem de mercados estrangeiros e de crédito e financiamento de multinacionais estrangeiras. Não é surpreendente que tanto a oposição política no Congresso e entre os grandes grupos económicos bolivianos se tenham oposto às reformas nacionais de Morales apesar do facto de serem as prometidas beneficiárias.
A terceira falsa premissa da estratégia reformista-nacionalista do presidente Morales é a ideia de que os regimes chamados de "centro-esquerda" no Brasil, Argentina e Espanha estariam desejosos de negociar e aceitar modificações nos contratos de exploração das suas multinacionais e a aceitar modestos aumentos nos preços das compras de gás. Morales superestimou a efectividade da sua "diplomacia pessoal" e afinidade ideológica com Lula no Brasil, Kirchner na Argentina e Zapatero na Espanha e subestimou completamente suas poderosas de duradouras ligações às suas multinacionais. Por isso, o regime de Lula rejeitou todas as propostas de Morales, incluindo sua oferta de negociar um aumento de dois dólares nos preços do gás, deixando de lado sua proposta de uma joint venture com a Petrobrás. Da mesma forma, o regime de Kirchner na Argentina adiou várias reuniões para discutir um aumento semelhante no preço do gás, e o seu representante não estabeleceu qualquer nova data nem mesmo para discutir a proposta. Zapatero, apoiado pelo FMI, insistiu em que quaisquer haveres espanhóis (REPSOL, BBV) fossem plena e imediatamente compensados, uma tarefa impossível dados os constrangimentos orçamentais da Bolívia.
É uma grande ironia que enquanto os presidentes ditos "centro-esquerda" — Kirchener, Lula e Zapatero — rejeitam as propostas de Morales para aumentar as receitas fiscais da Bolívia a expensas das suas multinacinais, o reaccionário Congresso dos EUA tenha aprovado legislação no sentido de aumentar a fatia do governo nos lucros do petróleo em US$ 20 mil milhões (Financial Times, 20-21 de Maio de 2006. Além disso, enquanto os EUA pagam US$ 6 por milhar de pés cúbicos de gás, Lula e Kirchner objectam à proposta de Morales de aumentar o preço para US$ 5 por milhar de pés cúbicos. Com "amigos do povo boliviano" como estes, quem precisa de imperialistas para explorarem o país mais pobre da América Latina?
Em suma, todas as hipóteses políticas de Morales foram baseadas sobre "factos imaginados" que não correspondem às realidades económicas e políticas nas quais são projectadas. A ausência de uma análise empírica séria de realidades estruturais resultou em impor uma estratégia eleitoral baseada numa aliança política multi classista em cima de um mundo polarizado entre classe e império. A ideologia reformista de Morales "criou" uma visão ilusória do mundo político no qual ele uniria "capitalistas produtivos", regimes amistosos de centro-esquerda, trabalhadores e camponeses contra "latifundiários improdutivos" e multinacionais corruptas, em busca de uma economia mista, um equilíbrio orçamental e reformas sociais incrementais.
O actual impasse com que Morales está confrontado, imposto pelos seus relutantes "parceiros", apresenta um sério dilema para o seu regime e os seus aliados internacionais (Venezuela e Cuba). Se o programa reformista não for viável, ele deveria mais uma vez diluir sua agenda "nacionalista" e manter a aparência de um "regime progressista" ou deveria radicalizar o seu programa, recorrendo ao apoio dos seus aliados internacionais numa confrontação continental mais profunda?
3-4/Junho/2006

[*] Ex-professor de Sociologia na Binghamton University, Nova York.

Este artigo encontra-se em http://resistir.info

2006/06/07


A revista Forbes tem razão: Fidel possui uma fortuna incalculável. Não é propriedade dele, mas o verdadeiro proprietário – o povo cubano – associa essa riqueza diretamente a ele, porque foi sob sua direção que ela foi construída.
Finalmente uma publicação norte-americana toca em um tema crucial: qual a fortuna de Fidel?
A obsessão pelos números é típica dos norte-americanos, que consideram que o que não se quantifica, não existe. “Diga-me a verdade: dê-me números” – costumam dizer executivos, políticos e propagandistas.
Nessa linha, o humorista brasileiro Millor Fernandes conseguiu responder a uma das obsessões dos norte-americanos, ao responder a questão do “preço da liberdade”. Ela calculou o preço para a construção da Estátua da Liberdade, mais o desgaste ao longo do tempo, a valorização do imóvel, as bilheterias do turismo, etc., para chegar a uma cifra de vários milhões de dólares – que seria o preço daquilo que materializa, aos olhos dos norte-americanos e dos admiradores da sua visão, a liberdade.
Ao constatar o valor de Fidel em escala mundial – que provocou as centenas de tentativas de atentados dos EUA contra ele, mas sobretudo o prestígio que ele detêm em Cuba, na América Latina e em todo o mundo -, resolveram buscar quantificá-lo, para chegar à sua “verdade”.
O cálculo da revista milhardária Forbes é simples: tomaram o Produto Interno Bruto de Cuba e calcularam uma porcentagem sobre ele, concentrado nos lucros do Palácio das Convenções, na empresa CIMEX de exportações, na venda de vacinas e de remédios. Esse cálculo daria um montante de 900 milhões de dólares como a fortuna de Fidel, colocado no sétimo lugar no mundo.
A intenção é clara: como a economia cubana é planejada centralmente, o governo máximo se apropriaria das riquezas do país que, como a mentalidade capitalista diz, confundiria totalmente a esfera pública e a privada, conforme o patrimonialismo que costuma existir nos países capitalistas. O presidente do Banco Central de Cuba, Francisco Soberón, baseado nesses critérios – incluído os custos reais da guerra do Iraque, segundo Joseph Stiglitz -, chegando ao que seria a fortuna pessoal do atual presidente dos EUA -, mais as riqueza efetivamente de propriedade sua e o resultado é uma cifra que supera em centenas de vezes a fortuna que é atribuída a Fidel.
Forbes tem razão: Fidel possui uma fortuna incalculável. Não é propriedade dele, mas o verdadeiro proprietário – o povo cubano – associa essa riqueza diretamente a ele, porque foi sob sua direção que ela foi construída.
É a maior riqueza do mundo, porque nenhum outro país a possui. E é incalculável, porque ela não pode ser contada em números, não pode ser fixada em preço, não pode ser vendida, nem comprada.
Trata-se dos direitos econômicos, sociais e culturais conquistados nestas já quase cinco décadas. Trata-se dos valores humanos associados estreitamente a eles.
Uma população que possui, toda ela, não somente a alfabetização, mas pelo menos 9 anos de escolaridade, tudo obtido mediante um sistema único para todos os setores da população, de qualidade, que pode contar com um sistema universitário que gradua a dezenas de milhares de cubanos por todo o país – é uma fortuna incalculável.
Uma população que possui o melhor sistema de saúde pública do mundo, uma população em que ninguém está abandonado – provavelmente a única população que tem essa situação – é uma verdadeira fortuna.
Um país em que nenhuma criança dorme nas ruas. Em que todas estão nas escolas, praticam esporte, realizam atividades culturais - são bens incalculáveis.
A dignidade, a soberania, o orgulho da sociedade que estão construindo – são um patrimônio impossível de ser traduzido em cifras.
Essa a fortuna de Fidel, única, incalculável, que dinheiro nenhum compra, que as sociedades regidas pelo capital e pelo mercado não conhecem.
Emir SaderProfessor da Universidade de São Paulo (USP) e da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), é coordenador do Laboratório de Políticas Públicas da Uerj e autor, entre outros, de “A vingança da História".